19 DE MARÇO DE 2024 – 3ª FEIRA



FRASE DO DIA

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FRASE COM AUTOR

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segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Edgar Allan Poe é venerado por leitores mesmo após 200 anos de seu nascimento.

Hoje, 19 de janeiro de 2009, fazem 200 anos que Edgard Allan Poe nasceu em Boston-EUA no ano de 1809.
Desnecessário comentar sobre este mestre genial da literatura, principalmente seus poemas e contos góticos como gostam de classificar os críticos literários.
Sobre Poe e as comemorações da data de seu "aniversário" existem uma profusão de artigos escritos. Recomendo o que está na página do jornal espanhol El Pais (perfeitamente compreensível para nós, brasileiros) e o português Diário de Notícias. Destaquei dois pequenos trechos de cada um dos artigos: (clique sobre os logotipos para ler os textos na íntegra)

- "Quién sabe si el hombre de la multitud, ese personaje anónimo que vagabundeaba por las calles de Londres en el cuento homónimo de Poe, observará hoy de incógnito el bicentenario de su creador. Edgar Allan Poe (1809-1849), creador de algunas narraciones que destilan un horror atemporal, mantiene su influjo dos siglos después, como prueban varios actos conmemorativos y la publicación en España de tres antologías de sus relatos y una nueva biografía a cargo del británico Peter Ackroyd." [...]
[...] "El centro de la conmemoración se situará esta noche en Baltimore, Estados Unidos, donde descansa la tumba del escritor. Esta noche, cuando millones de admiradores conmemoren el 200º aniversario del nacimiento del maestro de lo macabro, un hombre cuya identidad nadie conoce dejará en la tumba del escritor, en Baltimore, una botella medio vacía de coñac y un ramo de rosas rojas. O quizá no. Porque el misterioso visitante del cementerio Old Western, en la esquina de las calles Fayette y Greene en la ciudad de Maryland, a quien llaman Poe Toaster (el que brinda por Poe, en inglés), que ha incursionado en las sombras desde 1949, quizá esté ausente este año cuando el mundo entero amontone homenajes a Poe" [...]

[...] "Sobre Edgar Allan Poe, que nasceu faz hoje 200 anos em Boston, escreveu Fernando Pessoa que foi "das figuras literárias mais notáveis da América Inglesa", insuperável "na imaginação visionária do estranho", um precursor "da corrente chamada 'do maravilhoso' no movimento romântico", senhor de uma "personalidade complexa", em que se distinguia "a justaposição - mais do que a fusão - de uma imaginação vizinha da vesânia com um raciocínio frio e lúcido", e inigualável "na determinação alucinada de estados mórbidos".[...]

Para homenagear este genial poeta e escritor que de forma direta ou indireta vem se fazendo presente na formação literária de todas as gerações há 200 anos, publico abaixo o seu poema mais famoso, "O Corvo" que é muito citado mas pouco conhecido. A tradução é de Machado de Assis. Não perca a oportunidade de conhecer esta obra prima da literatura universal.

El narrador Edgar Allan Poe (1809-1849).
(clique na imagem e saiba tudo sobre E.A.Poe)

(clique na imagem e visite o site 100% dedicado ao grande escritor)

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Raven

(ilustração de Gustave Dorè para o conto de Poe. Clique na imagem e veja outras maravilhosa ilustrações.)

O Corvo

Em certo dia, à hora, à hora
Da meia-noite que apavora,
Eu caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita lauda antiga,
De uma velha doutrina, agora morta,
Ia pensando, quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar devagarinho
E disse estas palavras tais:
"É alguém que me bate à porta de mansinho;
Há de ser isso e nada mais."

Ah! bem me lembro! bem me lembro!
Era no glacial dezembro;
Cada brasa do lar sobre o chão refletia
A sua última agonia.
Eu, ansioso pelo sol, buscava
Sacar daqueles livros que estudava
Repouso (em vão!) à dor esmagadora
Destas saudades imortais
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora,
E que ninguém chamará jamais.

E o rumor triste, vago, brando,
Das cortinas ia acordando
Dentro em meu coração um rumor não sabido
Nunca por ele padecido.
Enfim, por aplacá-lo aqui no peito,
Levantei-me de pronto e: "Com efeito
(Disse) é visita amiga e retardada
Que bate a estas horas tais.
É visita que pede à minha porta entrada:
Há de ser isso e nada mais."

Minhalma então sentiu-se forte;
Não mais vacilo e desta sorte
Falo: "Imploro de vós - ou senhor ou senhora -
Me desculpeis tanta demora.
Mas como eu, precisando de descanso,
Já cochilava, e tão de manso e manso
Batestes, não fui logo prestemente,
Certificar-me que aí estais."
Disse: a porta escancaro, acho a noite somente,
Somente a noite, e nada mais.

Com longo olhar escruto a sombra,
Que me amedronta, que me assombra,
E sonho o que nenhum mortal há já sonhado,
Mas o silêncio amplo e calado,
Calado fica; a quietação quieta:
Só tu, palavra única e dileta,
Lenora, tu como um suspiro escasso,
Da minha triste boca sais;
E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço;
Foi isso apenas, nada mais.

Entro co'a alma incendiada.
Logo depois outra pancada
Soa um pouco mais tarde; eu, voltando-me a ela:
"Seguramente, há na janela
Alguma coisa que sussurra. Abramos.
Ela, fora o temor, eia, vejamos
A explicação do caso misterioso
Dessas duas pancadas tais.
Devolvamos a paz ao coração medroso.
Obra do vento e nada mais."

Abro a janela e, de repente,
Vejo tumultuosamente
Um nobre Corvo entrar, digno de antigos dias.
Não despendeu em cortesias
Um minuto, um instante. Tinha o aspecto
De um lord ou de uma lady. E pronto e reto
Movendo no ar as suas negras alas.
Acima voa dos portais,
Trepa, no alto da porta, em um busto de Palas;
Trepado fica, e nada mais.

Diante da ave feia e escura,
Naquela rígida postura,
Com o gesto severo - o triste pensamento
Sorriu-me ali por um momento,
E eu disse: "Ó tu que das noturnas plagas
Vens, embora a cabeça nua tragas,
Sem topete, não és ave medrosa,
Dize os teus nomes senhoriais:
Como te chamas tu na grande noite umbrosa?"
E o Corvo disse: "Nunca mais."

Vendo que o pássaro entendia
A pergunta que lhe eu fazia,
Fico atônito, embora a resposta que dera
Dificilmente lha entendera.
Na verdade, jamais homem há visto
Coisa na terra semelhante a isto:
Uma ave negra, friamente posta,
Num busto, acima dos portais,
Ouvir uma pergunta e dizer em resposta
Que este é o seu nome: "Nunca mais."

No entanto, o Corvo solitário
Não teve outro vocabulário,
Como se essa palavra escassa que ali disse
Toda sua alma resumisse.
Nenhuma outra proferiu, nenhuma,
Não chegou a mexer uma só pluma,
Até que eu murmurei: "Perdi outrora
Tantos amigos tão leais!
Perderei também este em regressando a aurora."
E o Corvo disse: "Nunca mais."

Estremeço. A resposta ouvida
É tão exata! é tão cabida!
"Certamente, digo eu, essa é toda a ciência
Que ele trouxe da convivência
De algum mestre infeliz e acabrunhado
Que o implacável destino há castigado
Tão tenaz, tão sem pausa, nem fadiga,
Que dos seus cantos usuais
Só lhe ficou, na amarga e última cantiga,
Esse estribilho: "Nunca mais."

Segunda vez, nesse momento,
Sorriu-me o triste pensamento;
Vou sentar-me defronte ao Corvo magro e rudo;
E mergulhando no veludo
Da poltrona que eu mesmo ali trouxera
Achar procuro a lúgubre quimera.
A alma, o sentido, o pávido segredo
Daquelas sílabas fatais,
Entender o que quis dizer a ave do medo
Grasnando a frase: "Nunca mais."

Assim, posto, devaneando,
Meditando, conjecturando,
Não lhe falava mais; mas se lhe não falava,
Sentia o olhar que me abrasava,
Conjecturando fui, tranqüilo, a gosto,
Com a cabeça no macio encosto,
Onde os raios da lâmpada caiam,
Onde as tranças angelicais
De outra cabeça outrora ali se desparziam,
E agora não se esparzem mais.

Supus então que o ar, mais denso,
Todo se enchia de um incenso.
Obra de serafins que, pelo chão roçando
Do quarto, estavam meneando
Um ligeiro turíbulo invisível;
E eu exclamei então: "Um Deus sensível
Manda repouso à dor que te devora
Destas saudades imortais.
Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora."
E o Corvo disse: "Nunca mais."

"Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno
Onde reside o mal eterno,
Ou simplesmente náufrago escapado
Venhas do temporal que te há lançado
Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo
Tem os seus lares triunfais,
Dize-me: "Existe acaso um bálsamo no mundo?"
E o Corvo disse: "Nunca mais."

"Profeta, ou o que quer que sejas!
Ave ou demônio que negrejas!
Profeta sempre, escuta, atende, escuta, atende!
Por esse céu que além se estende,
Pelo Deus que ambos adoramos, fala,
Dize a esta alma se é dado inda escutá-la
No Éden celeste a virgem que ela chora
Nestes retiros sepulcrais.
Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!"
E o Corvo disse: "Nunca mais."

"Ave ou demônio que negrejas!
Profeta, ou o que quer que sejas!
Cessa, ai, cessa!, clamei, levantando-me, cessa!
Regressa ao temporal, regressa
À tua noite, deixa-me comigo.
Vai-te, não fica no meu casto abrigo
Pluma que lembre essa mentira tua,
Tira-me ao peito essas fatais
Garras que abrindo vão a minha dor já crua."
E o Corvo disse: "Nunca mais."

E o Corvo aí fica; ei-lo trepado
No branco mármore lavrado
Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho.
Parece, ao ver-lhe o duro cenho,
Um demônio sonhando. A luz caída
Do lampião sobre a ave aborrecida
No chão espraia a triste sombra; e fora
Daquelas linhas funerais
Que flutuam no chão, a minha alma que chora
Não sai mais, nunca, nunca mais!

Tradução de Machado de Assis - 1883



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