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debate sobre
a escassez de engenheiros no Brasil é antigo e recorrente. Costumo chamar esse
movimento de "dinamismo verbal".
A propósito, sou engenheiro civil desde 1970 e sempre acompanhei de perto essa questão do mercado de trabalho para engenheiros. Julgo-me com conhecimento de causa para escrever e discutir sobre o tema.
A propósito, sou engenheiro civil desde 1970 e sempre acompanhei de perto essa questão do mercado de trabalho para engenheiros. Julgo-me com conhecimento de causa para escrever e discutir sobre o tema.
O que é assunto do momento - a falta de
engenheiros de todas as especialidades no Brasil - é apenas o reflexo de anos e
anos de absoluto descaso com a formação desses técnicos por aqueles que deveriam
ser responsáveis por isso e não cuidaram de resolver o problema.
E não são só os
governos. As empresas de engenharia de construção principalmente as de grande
porte; as corporações dos complexos industriais brasileiros (automobilístico,
naval, mineral...); as grandes empresas de consultoria e projetos, enfim todas
as organizações privadas que necessitam de engenheiros em seus quadros são réus
nesse processo.
História Verídica
A partir de 1980 (ver quadro) períodos de crises econômicas
atingiram o Brasil na esteira de uma recessão mundial que vai e volta até os
tempos atuais.
Na verdade foi a
partir de 1980, Delfim Neto era o ministro da Fazenda, que a engenharia entrou
em crise e começou a perder densidade no Brasil. Os negócios e os contratos
começaram a minguar e o mercado não conseguiu absorver o número de engenheiros
que era formado nas universidades brasileiras.
Com as restrições
dos mercados de trabalho a profissão passou a ser desqualificada, desprestigiada,
esquecida. As organizações além de não contratar passaram a explorar seus
engenheiros. Salários abaixo do piso e aumento de carga horária eram constantes.
Houve desemprego generalizado. Quem estava contratado, meu caso, aceitava todo tipo
de pressões e demandas para não perder o emprego. Era um cenário de humilhação
e afronta para os profissionais. Passei por isso tudo, mas na época era
solteiro e acima de tudo adorava ser engenheiro. Trabalha no interior da Bahia
e não tinha consciência da realidade.
Foi a partir desse
período que a profissão de engenheiro passou
a ser esconjurada pelos jovens no tempo de escolher suas profissões.
Antes disso a engenharia civil era a número um entre as carreiras escolhidas; direito
era segundo lugar e depois vinham as outras.
Como era antes
Após
o Curso Primário, os estudantes
cursavam o Ginasial (três anos) e na
sequência, nos três últimos anos escolhiam ou o Curso Científico - para quem fosse seguir as diversas carreiras da
engenharia ou o Curso Clássico - para
quem tivesse vocação para advocacia ou outras profissões fora da engenharia.
Hoje seriam dois grupos chamados de exatas
e humanas.
Registro isso para
ressaltar a importância e o respeito que se dispensava aos cursos de engenharia
e consequentemente aos engenheiros. Ninguém ficava desempregado. Essa condição foi sendo perdida ao longo dos
anos de desapreço pela profissão.
Leiam o que
escreveu o ex-ministro Bresser-Pereira em seu artigo sobre a falta de
engenheiros no Brasil (o link está abaixo):
[...] “Ora,
se há uma profissão que é fundamental para o desenvolvimento, tanto no setor
privado quanto no governo, é a engenharia. Nos setores que o mercado não tem
capacidade de coordenar são necessários planos de investimento, e, em seguida,
engenheiros que formulem os projetos de investimento e depois se encarreguem da
gestão da execução.
Mas
isto foi esquecido no Brasil. Nos anos neoliberais do capitalismo não havia
necessidade de engenheiros. Contava-se que os investimentos acontecessem por
obra e graça do mercado. Bastava privatizar tudo, e aguardar.
A
crise da engenharia brasileira começou na grande crise financeira da dívida
externa dos anos 1980. No início dos anos 1990, no governo Collor, o desmonte
do setor de engenharia do Estado acelerou-se. Dizia-se então que estava havendo
o desmonte de todo o governo federal, mas não foi bem assim.” [...]
Menosprezo
Como agravante a
esse desapreço as empresas, com o beneplácito do Sistema CREA-CONFEA, aviltaram os salários dos engenheiros
por muitos anos. Só no ano passado (2012), sob pressão da escassez de mão de
obra o piso salarial dos engenheiros passou para pouco mais de cinco mil reais por seis horas
trabalhadas (era algo em torno de três mil reais) e as empresas estão em disputa para contratar profissionais por
essa remuneração. É a “vingança” dos engenheiros que tarda, mas não falha...
Se desejar conhecer mais sobre o assunto recomendo como imprescindível a leitura dos artigos nos links abaixo:
Se desejar conhecer mais sobre o assunto recomendo como imprescindível a leitura dos artigos nos links abaixo:
- “Censo mostra que faltam engenheiros no Brasil” publicado no site do CREA-RN e,
- “Onde estão nossos engenheiros?” de autoria de Luiz Carlos Bresser Pereira para a Folha de São Paulo.
- “Brasil forma quase três vezes menos engenheiros do que países da OCDE” no site do SENGE-GO.
O mais estranho
(para não dizer hilário) é que em todos os artigos que li sobre esse existe um
ponto comum: o mantra “Faltam Engenheiros
no Brasil”, mas em nenhum deles, pelo menos nos que pesquisei, se aborda a
remuneração desses engenheiros tão valiosos.
Vivi minha vida
profissional inteira no meio de engenheiros – seja como técnico ou executivo de
governo – testemunhei o mais absoluto descaso e negligência das empresas
privadas e públicas com as remunerações dos seus engenheiros. E nem vou falar
de vantagens, reconhecimento de mérito, cursos de formação...
Ainda hoje é assim.
Só os engenheiros mais antigos, do alto escalão tipo: diretores, supervisores,
coordenadores, gerentes ou o nome que se lhes queira dar, são bem
remunerados. Os engenheiros de campo, os operacionais, aqueles que tocam as
obras e os projetos recebem migalhas em relação aos resultados e lucros das
empresas. Prova disso é que as organizações que pagam bem e concedem benefícios
não têm problemas de falta de engenheiros em seus quadros. É só pesquisar.
Dinamismo Verbal
Como disse no início o que estamos constatando é
que a resolução desse problema real para o crescimento e desenvolvimento do
Brasil ainda está longe de ser encontrada. No momento o que existe é um amplo,
propagado e estridente “dinamismo verbal”
de todos os organismos – públicos e privados - que têm o poder de desatar o nó
e solucionar essa equação. Aquela história do “Fala muito, Fala muito...”
Fácil de resolver não é, nem de curto prazo, mas
o primeiro passo no rumo do êxito é a valorização real e transparente dos engenheiros.
Hoje isso não passa de uma quimera, uma ilusão de ótica, uma miragem no
deserto. Comece-se por ai e parem já com essa ladainha de que “Oh! Faltam
engenheiros no Brasil”. Falta mesmo! Então que se finalize essa fase de dinâmica verbal. Parem de repetir o
mantra! Passe-se à ação! Todo mundo sabe exatamente o que deve ser feito.
Sei que o post ficou extenso, mas o assunto é quente. Se o leitor chegou até aqui e se não for pedir demais recomendo a leitura do artigo abaixo publicado na Folha de São Paulo. Quem ler vai ficar de queixo caído.